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sábado, 30 de março de 2013

Lava-pés, desafio a viver a solidariedade



Lava-pés... Uma parábola viva

Vou começar com uma pergunta:  gostaria de saber o que vem à sua  memória,  com mais força, mais impacto, quando chega a semana da páscoa.

Então vamos refrescar nossa memória para depois voltarmos à essa pergunta.

Numa longínqua noite de quinta-feira, numa província dominada pelo  Império Romano,  um jovem mestre,  que era perito em utilizar parábolas nas suas palestras,  naquela noite  dramatizou o trabalho de um escravo.

Aquele mestre era  Jesus de Nazaré.  Ao lavar os pés dos discípulos, em seu último jantar com eles,  encarnou o personagem de um escravo.  Homens ou mulheres escravos,   tinham  como uma de suas obrigações lavar os pés  de seus donos e senhores.

Durante o jantar o mestre tirou  seu manto,  tomou  um toalha e uma bacia, se abaixou e  passou a lavar e enxugar os pés  de todos  os discípulos, sem exceção. Inclusive, daquele que estava prestes a entregá-lo para ser crucificado, os pés do traidor. Perplexidade, foi o que experimentaram seus seguidores, até que entenderam o que significava aquele ato.

Jesus utilizou uma dramatização como técnica de ensino. Técnica  que torna os ensinos muito mais vivos na nossa memória; mais que um sermão ou uma palestra.  Portanto, o mestre queria que uma grande lição ficasse  registrada na mente de todos os discípulos.

Em meio à toda riqueza de símbolos e ensinos  que  envolvem o tema da Páscoa Cristã,  é  justamente  esse momento,  em que Jesus fez o papel de servo, ou escravo, que mais me marcou nos últimos anos.  É disso que  falarei  logo abaixo.  Trata-se de uma passagem bíblica central na doutrina de um grupo religioso que surgiu na suíça, por ocasião da reforma protestante, no século XVI: os Anabatistas, que em português significa rebatizadores. Foram chamados assim  porque batizavam as pessoas de novo, depois de adultas; pois não aceitavam o batismo infantil.

Mas voltando à pergunta inicial, gostaria de saber o que viria à sua  memória,  com mais força, mais impacto, quando chega esta semana da páscoa.  Dentre todos os símbolos e imagens que cercam a Páscoa, o que mexe mais com você?    Pode ser que alguém diga que é o chocolate, eu entendo!  Mas Deixando de fora os ovos,  os coelhos e o feriado prolongado; tem mais alguma coisa que te marcou  nos últimos anos ?

Se você  é daqueles ou daquelas que  gostam  de história,  poderia passar pela sua cabeça  a cena da fuga  de Israel, do Egito; e olha que há  símbolos e imagens à  vontade, nesse campo.

É quase  impossível  em uma só crônica conseguir abranger  tanta cenas, imagens, dramas, tragédias, sentimentos  envolvidos  nessas  passagens bíblicas, portanto, vou apenas citar os episódios para refrescar nossa memória:

- O Sangue de um cordeiro servindo  de tinta para pintar os umbrais das casas  dos Israelitas;
- Cheiro de churrasco; e dos bons. Carne  de cordeiro  assada tomando conta do ar de uma cidade inteira; pois em todas as casas dos israelitas, um cordeiro foi sacrificado.  Além do cheiro de carne havia também o do pão assado (sabe, no natal, que em quase toda casa que você entra pode sentir o cheiro  do pernil de porco ou peru, assando no forno! Pois é,  algo parecido ocorreu na  primeira  páscoa da história, só que com carne de cordeiro);
-  Luto, dor, gemido de desespero   em um país  inteiro.  Em todas as casas dos egípcios havia um ou mais mortos, devido a décima praga: a morte dos primogênitos;
- Uma mudança coletiva; o êxodo. Uma população inteira  deixando sua cidade. Seria mais ou menos como transferir  a população  de Brasília  para o outro estado da federação;  e todo mundo saindo num só dia;
- O mar Vermelho, se  abre; e forma-se um corredor no mar para  passagem  do povo  de Israel;
- O afogamento  coletivo  de Exército de Faraó, no mesmo  Mar Vermelho;
- A dança  de júbilo, das mulheres israelitas,  após  a travessia  do mar

Temos aí um misto  de cenas  de drama, aventura, terror, etc, que é pra nenhum Steven Spielberg botar defeito!

Mas e na última páscoa de Cristo, na terra!  O que dizer! Há  cenas  igualmente,  impactantes, e até mais! Recordemos:

A última ceia  de Jesus com seus  discípulos; na qual ele profere suas últimas palavras, e lava os pés aos discípulos;
- O vinho e o pão  que são utilizados  como símbolos do sangue do Senhor e de seu corpo;
-  O suor em gotas de Sangue na mesma noite; da agonia  de Cristo  no Getsêmane;
- A traição  mais conhecida  no mundo:  traição  de Judas Iscariotes, anunciada na hora do jantar;
- a Capital de Israel, uma cidade inteira,  em alvoroço pela prisão e  julgamento  do jovem  pregador e mestre da Galiléia;
- Um julgamento  em praça  pública no qual o governador Pilatos, teatralmente,  lavou suas mãos perante a platéia;
- Mais sangue  devido à tortura imposta a Jesus pelos soldados  romanos;
- Um homem  carregando uma vigota de madeira para ser crucificado;
- Execução.  Pena  de morte  por Crucificação;  de Jesus  e dois ladrões;
- A natureza se expressou, pois o dia  escureceu  em plena tarde;
- Acima de todas as anteriores: a Ressurreição de Cristo.

São tantas  passagens extraordinárias, que não é à toa que ao longo da história tem sido exploradas em sermões, na  literatura  e pelas  artes de um modo geral, e Teatro, e Encenação da Paixão de Cristo nas igrejas e ao ar livre,  e filmagens para cinema e televisão, etc.

            Em meio a tanta riqueza de ensinos, símbolos, histórias, cenas, enfim tudo que citei acima, poderia passar despercebido um simples jantar  do senhor com seus discípulos, no qual ele faz questão  de lavar-lhes os pés. Mas Deus não permitiu que tal acontecesse, pois João, um dos doze que estavam com o mestre à mesa, deixou bem registrado no seu evangelho no capítulo 13, com detalhes, toda a cena. Passo a citar uma pequeno trecho que João escreveu:

 “Ora, antes da Festa da Páscoa, sabendo Jesus que era chegada a sua hora de passar deste mundo para o Pai, tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até ao fim.
            Durante a ceia, tendo já o diabo posto no coração de Judas Iscariotes, filho de Simão, que traísse a Jesus, sabendo este que o Pai tudo confiara às suas mãos, e que ele viera de Deus, e voltava para Deus, levantou-se da ceia, tirou a vestimenta de cima e, tomando uma toalha, cingiu-se com ela. Depois, deitou água na bacia e passou a lavar os pés aos discípulos e a enxugar-lhos com a toalha com que estava cingido.”

Voltando aos Anabatistas, aquele movimento de reforma radical surgido no século XVI. Eles historicamente, consideram  de grande relevância  os acontecimentos da última  ceia  de Jesus com seus  doze discípulos.  Especialmente o momento do lava-pés.  Tanto que essa passagem bíblica de João, capítulo 13, é mencionada constantemente nos seus escritos como  base para um dos pontos fundamentais da fé cristã anabatisa: o amor e o serviço ao próximo. 
Portanto, trata-se de um texto mencionado frequentemente nas suas igrejas, independente de ser páscoa  ou não, para lembrar aos irmãos que o servir por amor a cristo é  um dos ensinamentos básicos de Cristo e do Novo Testamento. Dentre os grupos anabatistas que  conservam essa tradição e realizam a cerimônia de lava-pés, estão os Menonitas, os Irmãos Menonitas, os Quakers, os Amish e outros, espalhados em várias nações.

 Nessas  igrejas anabatistas, portanto, ainda se realiza a cerimônia de lavar  os pés, literalmente,  nos templos ou retiros. Os pastores, pastoras e outros líderes  tomam  toalhas  e bacia e água,  lavam e enxugam os  pés dos demais membros da igreja,  e relembram as palavras  de Jesus,  do amor  e serviço que devemos prestar uns aos outros. Eu pude participar de várias dessas celebrações; o que muito impactou minha vida.

Entretanto, não se trata de uma cerimônia exclusiva de um só grupo religioso, pois Católicos Romanos, Luteranos e Anglicanos também realizam essa cerimônia  nos seus cultos  e missas, para  lembrar os passos do mestre   na semana  santa.

Agora voltando à passagem que João escreveu.  Aquela lição de humildade, sabiamente ensinada pelo Senhor, na sua última noite, deixou os doze discípulos desconcertados. A ponto de Pedro tentar que seus pés não fossem lavados pelo mestre; mas não pode impedir diante da insistência de Cristo em lavar-lhe também.

Você está percebendo o que Jesus queria ao se comportar como escravo para seus seguidores? Era demonstrar que Amar é servir; amar é submeter-se.  Assim como um submarino, que necessita submergir nas águas para cumprir  seu propósito, assim  o seguidor de Cristo só cumpre seu propósito quando aprende a submeter-se a Deus e também aos demais irmãos e agir como servo de todos.

 Além de expressar verbalmente o amor, temos que realizar ações práticas de serviço às pessoas, pois isso é o que dá sentido à nossa pregação.   O serviço  é o próprio amor  em ação. O compartilhar o pão; é a solidariedade.  

O exemplo de Jesus demonstra que ele era Senhor, mas também  Servo.  Ele é apresentado nos evangelhos andando pelas aldeias, visitando pessoas enfermas, curando-as, curando endemoninhados, ensinando ao povo humilde nas casas, no templo, nas sinagogas, na praia, nos montes; perdoando pecadores e pecadoras; acalentando os desvalidos, os párias sociais, confortando os enlutados, desafiando  a abandonar a ganância; visitando casas de pecadores; conversando com mulheres, crianças, mendigos, cegos, aleijados, leprosos, e curando toda sorte de enfermidades; ressuscitando mortos, confrontando a hipocrisia das autoridades políticas e religiosas, alimentando o povo, lamentando a dureza dos corações dos ouvintes, chorando.

Enfim, Ele que veio para servir; e amou o ser humano até o fim, a ponto de se entregar para ser crucificado.

Toda a vida de Cristo  foi de servo obediente a Deus Pai, que o enviou; que não  fazia o que ele próprio desejava, mas obedecia completamente à  vontade  do Pai; que seu prazer era cumprir a vontade do Pai.   Por isso, Jesus tinha autoridade para ensinar a seus discípulos que obedecessem suas palavras  e seguissem  seu exemplo.

Numa sociedade onde as pessoas são incentivadas a serem estrelas, a "brilhar mais que o sol", a serem deuses, essa lição de humildade e serviço, do Lava-pés, choca muita gente;  continua sendo desafiadora a todos nós, e precisa ser ensinada  e vivida até  o fim. 

2 comentários:

  1. Querida Sirlene, meu desejo é que os leitores percebam que há uma perspectiva de ver e entender os evangelhos de forma mais profunda; mostrando que Reino de Deus é algo mais amplo que apenas os programas de uma igreja local; que Jesus está interessado no ser humano de forma integral; e não apenas o "coração".
    Abraços,

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